Brasil
Uruguai
O gol
Hoje acordei com uma tristeza e não sabia o que era. Choviam lágrimas. E uma pergunta me veio em castellano: Pero que pasa? De onde vem tanta água, tanta tristeza? Olhei o calendário, 16 de julho de 2010. 16 de julho, essa data é uma eterna ferida. Hoje o maracanazo completou 60 anos, 60 anos de uma tristeza que tem o dobro da minha idade, o dobro do tamanho do Brasil. Mas 16 de julho não é um dia de culpados. Não é culpa dos políticos que sabatinaram os jogadores no dia anterior para saírem nos jornais já ao lado dos campeões, não é culpa do técnico Flávio que impôs na manhã do jogo uma missa de duas horas que todos assistiram de pé. Não é culpa de Juvenal, Augusto, Bauer, Friaça, Danilo, Bigode, Chico, Zizinho, Jair, Ademir e principalmente não é culpa sua Barbosa. Barbosa, eu te perdôo com os olhos cheios de lágrimas e com as mãos vazias dessa bola que te escapou. Hoje é dia para um herói, o único homem vivo dos 22 que estavam em campo naquela tarde. Hoje é dia de Alcides Ghiggia. O gol foi seu, 2x1 fatal.
Jules Rimet, o eterno presidente da FIFA, escreveu em suas memórias
"Ao término do jogo, eu deveria entregar a Copa ao capitão do time vencedor. Uma vistosa guarda de honra se formaria desde a entrada do campo até o centro do gramado, onde estaria me esperando, alinhada, a equipe vencedora (naturalmente, a do Brasil). Depois que o público houvesse cantado o hino nacional, eu teria procedido a solene entrega do troféu. Faltando poucos minutos para terminar a partida (estava 1 a 1 e ao Brasil bastava apenas o empate), deixei meu lugar na tribuna de honra e, já preparando os microfones, me dirigi aos vestiários, ensurdecido com a gritaria da multidão. (...). Eu seguia pelo túnel, em direção ao campo. A saída do túnel, um silêncio desolador havia tomado o lugar de todo aquele júbilo. Não havia guarda de honra, nem hino nacional, nem entrega solene. Achei-me sozinho, no meio da multidão, empurrado para todos os lados, com a Copa debaixo do braço."
O presidente da FIFA sozinho, com a taça debaixo do braço empurrado pelo silêncio universal daquela derrota. Os uruguaios comemoravam mesmo contaminados por 200.000 tristezas. “Assim é o esporte”, foi a única coisa que conseguiu dizer o técnico Flavio depois da derrota. Dali pra frente tudo mudou, a camisa branca foi aposentada dando origem a amarelinha. Mas na final de 1958 levamos a Jules Rimet com a camisa azul do manto de Nossa Senhora Aparecida costurada a mão. 1962, 1970 e a Jules Rimet é eternamente nossa! Pelé e Garrincha nunca perderam jogando juntos pela seleção. Em 1994 mais um título com Romário o gênio da grande área, em 2002 outro, no Japão, com o Fenômeno marcando 8 gols fenomenais. O Brasil jogou todos os mundiais. É o time que mais venceu, que mais marcou gols, que mais encantou. Se os ingleses inventaram o futebol os brasileiros o aperfeiçoaram. Fizemos o futebol virar o ópio dos deuses como diz meu primo Augusto. Mas mesmo assim nunca mais seremos campeões mundiais de 1950.
Em outubro do ano passado morreu o zagueiro brasileiro Juvenal Amarijo e Ghihhia passou a ser o último sobrevivente de 1950. Tem 86 anos, vive em Las Piedras no Uruguai casado com uma mulher 40 anos mais nova que ele. Os deuses do futebol não o castigaram, ele foi embalado por eles como herói, e assim merece ser. Eu te felicito Ghiggia, com a dor de 200.000 lágrimas te felicito. Um dia desses ele disse: “Três pessoas silenciaram o maracanã, o Papa, Frank Sinatra e eu”. Hoje, sessenta anos depois, eu ainda ouço esse silêncio.