13 de nov. de 2007

Os bastidores anônimos de Kansas City (para Edmund White) Por 7A.



A cruel noite chuvosa da América, para a noite voraz da estrada. Em algum lugar ao longo da estrada eu sabia que haveria garotas, visões e tudo mais, na estrada, em algum lugar, a pérola me seria ofertada. (...) Nessa época eles dançavam pelas ruas como piões frenéticos e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo fervilhante-pop!- pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos ´´aaaaaah!``. Estávamos no teto da América e tudo o que podíamos fazer era gritar pelas ruas do Kansas City toda aquela coisa louca, palmeiras e drive-ins, uma terra prometida e esfarrapada, o limite fantástico da América numa aurora descolorida do entardecer rumo às planíceies do Kansas.
(Jack Kerouac)

Kansas City é uma cidade enorme, do mesmo jeito que Milwaukee e Denver. Nova York é uma aldeia, Londres uma coleção de aldeias e Paris é uma roça. Um lugar onde se pode dormir o dia inteiro se quiser descolar heroína, ou se perder nos cafés filosóficos da cidade de Kansas. Em Kansas City se pode reparar uma estrambótica tolerância com outras raças e credos, é possível mastigar seus fantasmas, se pode até barganhar a própria esposa em um mini-shopping sórdido para gente assolada ao meio-dia.

Como afirma Edmund White, Kansas City de futurista virou passé direto, nunca pertenceu ao presente. Além do mercado de pássaros e poules deluxe, você pode visitar os esgotos e catacumbas pelas eletricidades dos milagres da manhã.

No Kansas todos os bairros são normalmente lindos, atraentes e plenos de delícias insuspeitas, ídolos de vidro, paralelogramas de silêncio, tiranias mágicas que nos levam até as garotas de preto e os seus soturnos namorados existencialistas exibindo uma formidável agonia pela Johnson Douglas Avenue, posando para fotógrafos das gélidas iluminações cintilantes.

Zeitgeist, as crianças tristes batem suas asas, aqui você não pode sofrer nem mesmo se for um poeta. No Kansas o espelho é tão grande que a multidão vaga feito louca pelas ruas famélicas, quase ninguém conhece os áridos bastidores anônimos, a paisagem alucinatória dos véus dos andaimes.

Aqui se acaba de desencavar outro templo etrusco no excessivo passado do Kansas que resplandece nos bairros calmos para turistas e viúvas de guerra (o excessivo passado não oprime mais). Em cada esquina do Kansas ocorre um milagre sobre os brilhantes trilhos suspensos do metrô levitação, ao lado pardais esmiolam migalhas. O Nebraska finalmente é devolvido aos índios pré-históricos.

As famosas Kansas Hellfighters conversam em inglês arcaico nos inferninhos de Bricktop (na beleza impossível dos cabelos pintados de cor de tijolo), alguma coisa lembra os guinchos de uma girafa viajando em anfetamina, sempre ofertando a todos muitas plumas e um microfone de diamantes falsos, instantâneos mentais colecionados em álbuns.

Último instantâneo: As saídas art-noveau das escolas de tubarões, o flâneur vaga pela Platte Wyandotte, a um pulo de Bonner Springs, para o norte e leste. Conexão Constantinopla-Kansas, um quarto vivo em que as demolições e o som de cidades atropeladas conversam com a surdez dos fotógrafos de ar. Um museu de caça na nova Roma, o Kansas possui cantos bizarros onde o lance que alguém dá no leilão da imortalidade passa desapercebido pelos desastres fascinantes do teto devorado por asas de borboleta.

Pequeníssimos espamos de marionetes dimensionadas para uma raça de titãs: Crianças ululam e raspam o céu destes litorais sem molduras. Esquadrões de exímios orgiastas em seus costumes de veludo com apliques de fúria nos clubes do Haxixe de Prathersville, misses Américas andróginas nos santuários de febre, Paul Valery come montanhas rochosas de caramelo enquanto Jack Kerouac reclama da falta de sal nas correntes dos relógios.

Kansas City e suas mulheres acariciam unicórnios, um yankee flutua com seu umbigo ensandecido como se viajar de ácido pela Pleasent Grove fosse realmente possível. Mãos atadas nas árvores por de trás dele pessimamente desenhadas, mais parecem segurar sua auréola na cabeça. Chapéu de mendigo-rei , jokerman nas fumaças de vias-lácteas e ventanias.


Um navio metamorfoseado pelas migalhas dos deuses acaba de empacar entre dois prédios, as sombras de vidro tentam se distanciar do rebanho. (É claro que muitos acham a caça patética e sórdida). Une Amérique qui fait peur. Os Rednecks de Gladstone só cumprimentam as aves selvagens, reconhecem o raio X da história somente Domingo à meia-noite no Baixo-Kansas. As rainhas guilhotinadas ostentam no ar uma cabeça de fliperama, as crianças apodrecem, aposentados brincam e a cidade poluída em volta dá sua cartada final.

A Detroit da Itália é parecidíssima com o Kansas, já nos sentenciou certa vez Edmund White em pleno pavilhão de exposições de gado no cais frio e agradável onde alguém toca saxofone debaixo da ponte dos cegos. Primeiro instantâneo: Com quantos mantras se chega ao Kansas? Com quantos mantras se manipula a selva? E quantos mantras são suficientes para se conquistar Kansas City?
7A.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto deveria vir em todos os cadernos e livros escolares of Kansas! You know?!