A menos de dois meses para o início da copa do mundo na África do Sul um jornalista brasileiro foi assaltado por nove homens armados em Johanesburgo, uma das cidades sede. Nove homens armados desmontam qualquer ser humano e com o jornalista não foi diferente. O sujeito ficou transtornado dizendo que o país não tinha condição de realizar o mundial. Fiquei pensando onde será que ele vive no Brasil. Provavelmente em Borá onde moram 700 pessoas. Porque se nove homens armados impossibilitam um país de organizar uma copa do mundo imagina a situação do Rio de Janeiro para a olimpíada e a copa. Mas de tudo que o jornalista falou, o que ficou na minha cabeça foi:
“Para os brasileiros, que acham que tudo isso é uma bobagem porque já estão acostumados com a violência das grandes cidades, um alerta: abram os dois olhos. Separados pela distância de um oceano, é difícil ter a dimensão do que foi o apartheid. Nosso único parâmetro seria a escravidão, no período colonial, que terminou 122 anos atrás. Em termos históricos, o fim do apartheid e a eleição de Nelson Mandela são eventos recentes. (...) Seria como se a princesa Isabel assinasse a Lei Áurea em 1991 e, três anos depois, o Brasil elegesse Zumbi dos Palmares como presidente. Mudança radical. Clima pesado. O clima na África do Sul é pesado, o ressentimento está no ar.”
Três coisas me impressionam aqui:
A primeira é o delírio da comparação! Mas vamos assumi-lo, imprimasse o delírio.
A segunda é como a racialização do país impõe a qualquer tensão a exigência de que ela seja uma tensão racial. Ou seja, se nove homens armados te assaltam, você é branco, eles negros, significa que isso é por causa do apartheid! Não tem nada a ver com mais nada. A raça explica o mundo! E não é a Raça Rubro Negra, ou a raça que pedem no Maracanã quando o time fraqueja. É a velha raça, daquele velho pensamento de que negro é burro, índio é preguiçoso e os brancos civilizados! Não há então mais sociedade? O que há são apenas grupos identitários que não podem conviver, interagir e se misturar? Acredito que não é assim e acho que o futebol, nossa alegria, é a prova dos nove.
A terceira coisa, mais lúdica, é a transposição de tempos, através do rio São Francisco, que colocam Zumbi e Princesa Isabel em 1991 no Brasil. A princesa, agora vivendo do laudêmio, mendigando 2,5% das riquezas da cidade de Petrópolis, fã da Madonna. A princesa Isabel sapeca a assinatura na lei áurea, liberta os escravos e o país sai em festa! Zumbi desfila em carro aberto e dois anos depois é enfaixado como presidente do Brasil. Sem os nossos negões livres nas décadas de 60 e 70 o Brasil não ganhou nenhuma copa. A liberdade das misturas eleva a expectativa para 1994 que se aproxima! Eu quero ver quando Zumbi chegar (na grande área) o que vai acontecer! Romário é o Zumbi da grande área!
Já seria carnavalesco, mas ainda bem que não foi assim. Que tudo aconteceu bem antes lá em 1888, ainda que bem tarde. Que bom que o Zé Pereira chegou de caravela preguntou pro guarani se ele era cristão e ele disse que não e a onça grunhiu na mata e o negro tomou a palavra e disse que sim seguido do Canhem Babá Cum Cum! E fizeram o carnaval!
Tudo isso me faz lembrar o episódio da Briosa, a Portuguesa Santista, em sua excursão pela África nos anos 1950. Na época o clima era mesmo pesado e a Briosa vinha vitoriosa de Angola, havia vencido todos os jogos. No aeroporto o clima já esquentou, quase barraram os negões da Portuguesa de entrarem no país. (Os negões da Portuguesa no bom sentido, claro. E não que no mal sentido tenha problema. Afinal tem muita portuguesa que adora um negão!). Mas enfim, para evitar qualquer complicação diplomática maior, um representante da embaixada do Brasil foi acompanhar os jogos do time. Já no primeiro confronto o caldo entornou. Não havia uma federação de futebol unificada naquele momento e um representante da federação branca disse que ali brancos jogavam contra brancos e pretos contra pretos. Imagina o que não aconteceu nesse vestiário. Todos os jogadores da Briosa partiram pra cima dizendo que aquilo era UM time de futebol e que se não entrasse todo mundo não entrava ninguém, no que foi prontamente apoiado pelo representante da embaixada brasileira. Por fim o jogo não aconteceu e a crise diplomática deflagrada fez o presidente Juscelino Kubitschek se pronunciar oficialmente contra o apartheid, transformando o Brasil no primeiro país fora da África fazê-lo! Nos anos 60 a África do Sul foi banida dos jogos da FIFA, retornando apenas em 1993, com Nelson Rodrigues Mandela, depois do fim do Apartheid. Vale lembrar que a Portuguesa Santista voltou invicta de sua campanha Africana, ganhando a fita azul da FIFA, prêmio dado aos times que venciam todas em suas excursões internacionais. A Briosa voltou invicta no campo e no coração!
O que fica aqui são estas duas posições distintas de pensamento acerca da raça. Uma que acredita na sociedade fractada dos guetos multiculturalistas. Outra que acredita que a mistura é a saída. E por fim o futebol como momento máximo de congregação acima de qualquer racialismo, partidarismo ou ideologia. Se não é assim como você explica que o Iraque, esfacelado pela ofensiva Americana, destroçado pela guerra, com sérios conflitos étnicos jogue a Copa da Ásia em 2007, com Curdos, Sunitas e Xiitas, comandados, talvez não por acaso, pelo brasileiro Jorvan Vieira, e saia campeão pela primeira vez em sua história?! Há mais coisas entre a linha do gol e o travessão do que desconfia nossa vã filosofia.
O futebol é o universal que se impõe!
A história da Briosa no país da copa de 2010!
22 de abr. de 2010
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3 comentários:
Muito bom primo. Belo tratado sociológico para começarmos nossos trabalhos aqui no site da Copa do Mundo. Viva a Briosa em oposição aos guetos do multiculturalismo. E segue o baile!
hahahahahahahha demais! bela crônica antropo-futebolística. esse blog me faz lembrar que meu próprio anda às moscas.
agora eu quero a versão do augusto, salpicando algum tricolorismo nesse blog, please.
Tenho que admitir que a reconstituição com atores playboys é impagável. Só faltaram falar "leque" e estarem trajando bermunda da Redley...
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