7 de nov. de 2008

PELA AMBIGUIDADE EM AMOR AMÉRICA (POR AUGUSTO DE GUIMARAENS CAVALCANTI)

Algumas pessoas têm vindo me perguntar quais as mensagens eu quero passar com AMORAMÉRICA, que elas estão ambíguas demais, então resolvi escrever esse texto aqui. Primeiro acho que tudo começa com o fato de estarmos mais perto dos Estados Unidos do que imaginamos. Não, não só pelos mitos norte-americanos que deglutimos desde criança pelo cinema e TV, mas pelo nosso horror à ambigüidade. Sim, somos o país mais positivista do mundo. Não, não é só pelo lema de nossa bandeira ; (embora seja estranho tirar o amor do ´´ordem e progresso`` como fizeram nossos republicanos); mas sim a nossa obsessão pelo realismo. Não é a toa que tanto o Simbolismo quanto o Surrealismo tenham sido sepultados vivos por aqui, Murilo Mendes e Jorge de Lima logo foram taxados de demasiados religiosos por nossos holofotes iluministas que querem iluminar, devassar tudo, nenhum cota de sombra permitida. No Brasil vamos do Parnaso direto ao Concreto, sem escalas de nuances, sem paredes movediças, sem espaços onde se respirar.

A exceção foi a contracultura, época em que a inventividade entrou pela porta da frente com a Tropicália, mas aí, logo os tropicalistas se envolveram com os concretistas por questões políticas da defesa do rock contra o nacional-popular, a defesa das vanguardas internacionais contra os Cepecistas. Essa, aliás, diga de passagem foi uma grande visão de Augusto de Campos em mostrar no ´´Balanço da Bossa`` que Roberto Carlos estava mais próximo de João Gilberto, em sua maneira de entoar o canto, do todos pensavam. Augusto mostrou também a ligação de Caetano com Oswald de Andrade. Haroldo de Campos, por sua vez, editou as Obras Completas de Oswald, obras estas que chegaram às mãos de Zé Celso Martinez Corrêa apresentando a Caetano a antropofagia pela peça Rei da Vela. No entanto, Benedito Nunes em ´´Oswald Canibal`` mostra como a antropofagia dialoga e se inspira no ´´Manifesto Canibal`` do dadaísta Franz Picabia.

Oswald estava dialogando com todas as vanguardas internacionais, e só foi re-descoberto graças a Haroldo de campos e Zé Celso Martinez. No entanto, parece estranho a leitura feita de Oswald pelos irmãos Campos como se este fosse quase que principalmente construtivista. Essa leitura soa parecida com a idealizada de Stephen Mallarmée pelo paideuma concretista como mais vanguardista do que simbolista. Por que o Simbolismo francês é considerado de vanguarda, enquanto o brasileiro é marginalizado? Acho que o Domingos pode melhor responder esta questão. No entanto, me parece estranho que Augusto de Campos tenha relegado seu belíssimo primeiro livro com flashes surrealistas ´´O rei menos o reino``, assim como fez João Cabral com sua fase onírica. Todos nós sabemos bem da briga travada pelo pernambucano contra o surrealista francês Rene Chár em seu poema ´´Anti-Char``.

No Brasil sempre essa fixação pela claridade tão intensa que cega, e de nada oblíqua, como queria Maiakovski com sua chuva oblíqua, ambígua. No caso brasileiro se valoriza o discurso pretensamente sem ruídos, embora os outdoors estejam cheios deles. Por aqui, não existe palavra mais depreciativa do que maluco ou alienado. No entanto, Augusto Comte se esquece que no mundo não há escapatória; sempre se está alienado de algo; a claridade excessiva mata. Voltando a Oswald é bom lembrar como este foi renegado da USP pelo clarividente Antônio Cândido, e se não fossem os tropicalistas estaria esquecido até hoje, como está Dante Milano e tantos outros, tantos outros.

Bom, no caso norte-americano os yankees odeiam a ambigüidade? Acho que sim. Se o norte-americano Walt Whitman criou o verso livre, e o também americano T.S.Elliot transcendeu o mecanismo da citação em ´´Wasteland``, as vanguardas européias pouco ecoaram por lá literariamente. Chegaram na contracultura beat por Allen Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti somente em idos dos anos 50, e depois forma espraiadas nas letras das canções de Bob Dylan, e até nos solos magnéticos de Jim Hendrix. O surrealismo e o dada tiveram mais influências nas artes plásticas, afinal Salvador Dali foi tantas vezes para Manhattan, como o cubista Pablo Picasso adotou a cidade. A POP ART adotou o mecanismo da colagem criado por Lautreamont na criação envolvendo ´´um guarda-chuva e uma máquina de costura em uma mesa de dissecação`` e desenvolvida por Marx Ernst e Marcel Duschamps. Sim, a POP ART já profetizava a frase de Oswald de que ´´a massa ainda comerá o biscoito fino de que eu fabrico``.
Agora vamos falar do livro: Primeiro é bom deixar bem claro que ao escrevê-lo estávamos pensando diferente do ´´Amor América`` de Pablo Neruda, em que ele traz a gênese idealista de uma América quase desabitada nos versos ´´dos rios arteriais imóveis``, ´´das pampas planetárias``. Nossa América, diferentemente, já estava mais do que habitada.

Estamos pensando em uma PanAmérica do século XXI, como Agrippino a escreveria carregada de ambigüidades, sonhos e humor, como a colagem ´´Amor-Humor`` de Oswald. Esse foi e sempre será o sentimento que tenho da América, um pavor carinhoso, um assombro coberto de calor. Estava na hora então de surrealizar um pouco as landscapes como fez o francês Jean Baudrillard descrevendo as paisagens siderais em ´´America``. Já que Henry Miller afirma em seu livro escrito pelas estradas norte-americanas ´´Paraíso Refrigerado`` que os melhores livros escritos sobre os EUA são feitos por estrangeiros, nós resolvemos tentar. A nós nos interessa muito mais a visão inocente da América presente em Franz Kafka e Maiakovski, do que a raiva francesa que considera o homem-médio norte-americano um bárbaro. Sou pela defesa do bárbaro tecnicizado de Oswald. Depois virão Mariano Marovatto e Domingos Guimaraens aqui para explicar.

Portanto, sobre o AMORAMÉRICA me interessou muito a imagem lisérgica da casa de Andy Wahrol em que vi certa vez em um documentário, em que o artista possuía móveis com gás de hélio e quando queria fazia todos os objetos flutuarem para esvaziar sua sala. Tentei misturar essa imagem em meus textos com o questionamento das profecias do livro apocalíptico ´´The Fall of America`` de Allen Ginsberg, em que o poeta quer defender a profecia feita por William Blake de que a América se auto-implodiria em dois séculos (imagem esta quase de ficção científica à la Hollywood). Aqui vão todas as minhas homenagens feitas no livro a Superman, não estaria Blake descrevendo Kripton, o planeta que explode, seria a América Kripton para Blake? E não seriam os super-heróis norte-americanos a tentativa de criar mitos verdadeiramente americanos com traços gregos, assim como fizeram os romanos ao atribuir traços gregos a seus mitos, como Dionísio no processo que chega a Baco, etc, etc ? Acho que sim.

Portanto, esse sincretismo é uma parte importante do livro: como a nação protestante da América não possui santos, nós emprestamos os nossos de macumba par afazer parte do grande terreiro yankee criado pelos Sete Novos. Ou alguém nega que mesmo os protestantes entram em transe? Marthin Luther King entrou, tantas e tantas vezes, assim como Jim Hendrix de lá nunca saiu.Outro traço importante do livro são os nomes ingleses brasilificados em nosso liquidificador como Manhatã (como fazia Cazuza), e todos os nomes saxões que não estão escritos em itálicos e aparecem com letra maiúscula, claro, pois já estão apropriados no AMORAMÉRICA. Somos todos americanos. Se a grandiloqüência do Superman salvando o mundo pudesse ser aprendida por Macunaíma........

Aliás, nos filmes de Superman o planeta terra é sempre descrito por Planeta Houston, não é demais? E sem falar no Planeta Hoolywood, lanchonete que serve mundialmente hamburgers e sonhos, assim como as finais dos campeonatos americanos são sempre descritos como World Series. Realmente a grandiloqüência americana é demais e temos que aprender com ela: de Pernambuco para o mundo, de Pernambuco para o mundo.

Bem, vamos às referencias sampleadas de cada texto meu:
1)Em ´´Deusa EUÁ`` divido o espanto com o leitor ao descobrir que o nome africano para a deusa da sedução é realmente ´´Deusa EUÁ``. Por incrível que pareça o sincretismo africano já estava profetizando os Estados Unidos da América, e que seu presidente seria um dia o queniano Barack Obama. Kennedy não foi ressuscitado, mas a Mátria África veio enviada por Mamãe Menininha de New Hampshire para empossar Obama. Nesse poema também está presente a imagem forte de Elvis Presley como o primeiro a juntar música africana com música branca ao criar, ou pelo menos popularizar o Rock and Roll. Dessa maneira o mundo se sincretizou, a América de africanizou. A gênese aqui é formada por Deusa EUÁ, Elvis chegando até Obama.

2)No texto Kentucky procuro imaginar como seria se José Agrippino de Paula tentasse entender o Kentucky? Qual seria a profecia de Blake sobre o misterioso Estado? Como Kieerkegard descreveria o tédio norte-americano daquelas cidades pequenas com suas casas todas iguais? Como seria o carnaval em Kentucky? Bom, New Orleans possui o Mardi-Gras, que é um carnaval europeu, mas o Kentucky não, lá não há inversão nenhuma. O que Roberto Da Matta escreveria sobre um possível carnaval no Kentucky em que as mulheres gordas de frango frito começassem a entrar em transe devido a algum erro na produção do Kentucky Fried Chicken? Acho que essa visão é parecida com o poema de Domingos em que os índios entram em transe com Big Macs no estômago dentro do maior shopping indígena do mundo The Kenosha Project em Milwaukee, coisas que só mesmo os EUÁ fazem por você.

3) Em Oração ao Tiger Zé Celso imagino como seria se João Cabral usasse um parangolé e parasse para escutar música clássica, ele que odiava qualquer tipo de música, inclusive e principalmente em seus poemas. Critico muito aqui esses Neo-Yuppies do Hip-Hop que fazem suas músicas sobre sexo, dinheiro e carros de uma maneira tão agressiva que nem o mais Yuppie dos Yuppies acharia graça. Se é para África dominar o mundo que seja pelo bom propósito de Micheal Jackson cantando o fim da segregaçã racial em ´´Black or White``, ou pela lírica pujante dos nova-iorquinos do The Last Poets. No Hip-Hop o que me incomoda são as ausências de metáforas e ambigüidades, muito diferente do RAP proveniente da sigla rythm and poetry, isso é, poesia ritmada. Os rappers desenvolveram a poesia ritmada da qual odiava João Cabral. Sou pela delicadeza dos índios, sou pelo símbolo do real, sou pelo ritmo na poesia, e não essa dilaceração amorfa defendida pela indústria POP, em que seus heróis morrem de overdose e logo são reciclados por outros. Qualquer semelhança com George Bataille não é mera coincidência. Sou pela magia do cinema, com esse nome perfeito ´´Noite Americana`` para designar a falsa noite criada em estúdio durante o dia, não seria essa a ambigüidade mágica que interessa?Já bem o sabia François Truffaut no filme homônimo ´´Noite Americana``. Outra imagem importante desse poema é sobre o que dizia Nelson Rodrigues que ´´só os idiotas respeitam Shakespeare``, isso é, só os idiotas respeitam os grandes autores, como se estes estivessem canonizados e santificados. Os grandes autores estão aí para serem canibalizados, concordo demais com Nelsinho.
(TO BE CONTINUED)

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